O capital social nas sociedades cooperativas
O CAPITAL SOCIAL NAS SOCIEDADES COOPERATIVAS
A relação jurÃdica existente entre o sócio cooperado e a sociedade cooperativa possui disciplina legal especÃfica e distinta das outras relações jurÃdicas, inclusive societárias e seu regramento se não obedecido acarreta a desnaturação da sociedade.
A Lei Nº 5.764/71 é o diploma que trata do regime jurÃdico das sociedades cooperativas, estabelece nos artigos 3º[1] e 4º[2] o conceito estrutural de que a cooperativa é uma pessoa jurÃdica formada à partir da vontade de um grupo, delimitado por uma dificuldade econômica, que constitui a sociedade unicamente para prestar-lhe serviços diretos, determinando aos membros do grupo, a contribuÃrem com bens ou serviços para o exercÃcio de uma atividade de proveito comum.
Dos conceitos constantes, de forma clara, no citado diploma legal é possÃvel extrair-se os seguintes elementos que constituem a relação jurÃdica societária cooperativista:
- existência da sociedade (capital subdividido em cotas[3]);
- pessoas que constituem a cooperativa celebram contrato de sociedade (direitos e obrigações);
- a obrigação do contrato societário é que haja, por parte de tais pessoas, contribuição de bens ou serviços em proveito comum no campo de suas atividades econômicas;
- distinção entre a atividade econômica da cooperativa e a atividade econômica do cooperado;
- na sociedade cooperativa existe apenas um único escopo, qual seja, a prestação de serviços desta ao corpo de associados.
A partir destes elementos pode-se dizer que a condição de dono da sociedade é configurada por pessoas, quer fÃsicas ou jurÃdicas, que celebram contrato de sociedade transfigurado-se juridicamente em sócio da sociedade e abandonando sua natureza jurÃdica anterior, possuindo parte desta sociedade, através de capital ali empregado, isto é, parcela (cota parte), e se responsabilizando pelas operações da sociedade perante o mercado.
Desta forma o sócio cooperado é dono da sociedade juntamente com seus pares, possui capital empregado e responsabilidade com relação a terceiros, celebra contrato societário e obriga-se a contribuir com bens e serviços, para o exercÃcio de uma atividade de proveito comum. Daà decorre que, na estrutura cooperativista, é, ao mesmo tempo: dono, usuário e fornecedor.
Todavia, o capital social assume papel distinto daquele existente nas outras sociedades, além da propriedade da sociedade, pois uma vez que o “uso†é o mote fundamental da associação o capital existe para dar guarida a este escopo. Assim o capital é o instrumento que dá direito ao uso da estrutura e ao mesmo tempo possibilita a feitura desta estrutura que será disponibilizada ao cooperado (usuário e fornecedor). Não é investimento no mercado de ações.
Quanto ao capital social ser “forma de possuir parcela da sociedade†tal conceito está disciplinado nos artigos 21, III[4] e 24[5].
O artigo 21, III, determina que o Estatuto Social deve conter as seguintes informações:
- Capital social mÃnimo, (conceito completamente diverso de capital social, pois capital social é dinâmico e variável, enquanto que capital social mÃnimo é elemento configurador da natureza jurÃdica de sócio cooperado. Capital social mÃnimo é o mÃnimo indispensável que cada cooperado deve subscrever. O capital social mÃnimo é o resultado da operação aritmética de multiplicação do número mÃnimo de cooperados (vinte, segundo o artigo 6º, I, da lei 5.764/71) vezes o número mÃnimo de cotas que cada cooperado deve subscrever (valor estatutário).
- Valor da cota parte e sua equivalência em reais.
- MÃnimo de cotas a ser subscrito por cooperado. Isto quer dizer que só tem a natureza jurÃdica de cooperado aquela pessoa que após o trâmite de ingresso subscreveu o mÃnimo de cotas determinadas pelo Estatuto.
- Condição de retirada.
No cooperativismo não há especulação das quotas partes, pois estas são impenhoráveis e intransferÃveis a estranhos da sociedade, conforme prevê a lei das cooperativas e o Código Civil de 2002[6] e é interesse do corpo de cooperados que haja nova subscrição a cada ingresso de associados para que a cooperativa implemente, fortifique e potencialize a prestação de serviços aos cooperados.
A lei foi clarÃssima ao proibir, no parágrafo 3º[7] do art. 24 qualquer distribuição de benefÃcios à s cotas partes, com exceção dos juros, se houver sobras no exercÃcio.
A razão disto é manter o conceito de que capital social é lastro para a prestação de serviços e capital é o elemento que dá direito ao sócio de possibilitar a existência da sociedade e de usufruir de seus serviços para viabilizar a sua atividade econômica.
Se o cooperado não pode ter benefÃcios ao capital que integralizou seria uma discrepância tratar o ex-cooperado de forma diferente, pois quando era cooperado não havia correção de capital, quando deixou de ser cooperado passou a ter este direito.
A Constituição Federal tem comando especÃfico neste sentido, no art. 1674, §2º, quando determina que a lei deve apoiar e estimular o cooperativismo e estimular a saÃda ou a não permanência de cooperados é fator vedado pela Constituição. Ademais a correção de capital de ex-cooperados resulta em despesa para a sociedade e desta forma todos os cooperados pagam para a correção do capital daqueles que saÃram.
O Principio da Igualdade de cooperados aplica-se também neste caso, pois não existe valor de quotas mÃnimas diferenciadas, inteligência do art. 37[8], da lei cooperativista, também, não existem “cooperados fundadoresâ€, todos são cooperados são iguais, sem qualquer privilégio.
Devemos lembrar que os associados mais antigos já usufruÃram mais tempo da cooperativa, eis sua “vantagem†temporal, assim a palavra de “coeficiente matricial de aplicação da interpretação da lei cooperativista†para entendimento é: “uso†e não “vantagemâ€. Idem os ex-cooperados.
Em diversos momentos da lei cooperativa nota-se que a vontade do legislador é instituir a noção de que os cooperados passam, mas a cooperativa permanece. Assim, se um dia a cooperativa liquidar-se todo o patrimônio deve ser encaminhado ao governo, inteligência do art 68, IV[9], prova que a cooperativa é lastro e não empreendimento.
Diante do exposto entendemos que:
A)Capital mÃnimo de ingresso na cooperativa é um só valor uniforme para todos os cooperados independente da época em que se ingresse na sociedade, pois baseada em cotas partes e não em reais; (exceção para capital proporcional).
B)A legislação veda qualquer benefÃcio ao capital exceto juros – art. 24, §3º;
C)Capital mÃnimo é condição de permanência ou ingresso na sociedade – art. 35, V[10];
D)A cooperativa que não possuir capital social mÃnimo pode ser dissolvida, art. 63, VII[11];
E)O capital social é fator de ingresso na sociedade, pois configura propriedade de parte da cooperativa pelo cooperado e lastro para a prestação de serviços;
F)Não há forma de reajustar ou manter o valor do capital, se comparado com o mercado a não ser juros de 12% previstos no art. 24, §3º;
G)A correção de capital dos associados que deixaram a cooperativa é custo para a sociedade e é repartida entre todos os sócios;
H)Capital social no cooperativismo é possibilidade de uso da sociedade e não investimento financeiro, como o é nas sociedades empresárias;
I)A vedação de correção de capital de associados se estende, por estrutura a ex-cooperados, pois assim terÃamos vantagem no rompimento do vÃnculo.
Portanto capital social na sociedade cooperativa é lastro para prestação de serviços desta para o cooperado e não se pode, por determinação legal, haver distribuição de qualquer espécie de benefÃcio à s quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros.
Paulo Roberto Stöberl
Coordenador JurÃdico
[1] Art. 3º - Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercÃcio de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.
[2] Art. 4º - As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurÃdica próprias, de natureza civil, não sujeitas à falência, constituÃdas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes caracterÃsticas...
[4] III – o capital mÃnimo, o valor da quota-parte, o mÃnimo de quotas-partes a ser subscrito pelo associado, o modo de integralização das quotas-partes, bem como as condições de sua retirada nos casos de demissão, eliminação ou de exclusão do associado;
[5] Art. 24. - O capital social será subdividido em quotas-partes, cujo valor unitário não poderá ser superior ao maior salário mÃnimo vigente no PaÃs.
§ - 1º Nenhum associado poderá subscrever mais de 1/3 (um terço) do total das quotas-partes, salvo nas sociedades em que a subscrição deva ser diretamente proporcional ao movimento financeiro do cooperado ou ao quantitativo dos produtos a serem comercializados, beneficiados ou transformados, ou ainda, em relação à área cultivada ou ao número de plantas e animais em exploração.
§ 2º - Não estio sujeitas ao limite estabelecido no parágrafo anterior as pessoas jurÃdicas de direito público que participem de cooperativas de eletrificação, irrigação e telecomunicações.
§ 3º - É vedado à s cooperativas distribuÃrem qualquer espécie de benefÃcio à s quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros, excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada.
[6] Art. 4º - As cooperativas são sociedades de pessoas ... distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes caracterÃsticas:
IV - inacessibilidade das quotas-partes do capital a terceiros, estranhos à sociedade;
Art. 1.094. São caracterÃsticas da sociedade cooperativa:
I - variabilidade, ou dispensa do capital social;
II - concurso de sócios em número mÃnimo necessário a compor a administração da sociedade, sem limitação de número máximo;
III - limitação do valor da soma de quotas do capital social que cada sócio poderá tomar;
IV - intransferibilidade das quotas do capital a terceiros estranhos à sociedade, ainda que por herança;
§ 3º - É vedado à s cooperativas distribuÃrem qualquer espécie de benefÃcio à s quotas-partes do capital ou estabelecer outras vantagens ou privilégios, financeiros ou não, em favor de quaisquer associados ou terceiros, excetuando-se os juros até o máximo de 12% (doze por cento) ao ano que incidirão sobre a parte integralizada.
[8] Art. 37. - A cooperativa assegurará a igualdade de direitos dos associados sendo-lhes defeso:
I - remunerar a quem agencie novos associados;
II - cobrar prêmios ou ágio pela entrada de novos associados ainda a tÃtulo de compensação das reservas;
III - estabelecer restrições de qualquer espécie ao livre exercÃcio dos direitos sociais.
[9] VI - realizar o ativo social para saldar o passivo e reembolsar os associados de suas quotas-partes, destinando o remanescente, inclusive o dos fundos indivisÃveis, ao Banco Nacional de Crédito Cooperativo S/A.; (Grifo Nosso)