Protocolo de Cartagena ainda gera disputa em Brasília

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Às vésperas da mais importante reunião sobre comércio internacional de organismos modificados, que ocorrerá em março de 2006, em Curitiba (PR), o governo ainda não se entende sobre as regras que deverá defender para preservar o meio ambiente sem perder de vista ganhos econômicos. A disputa ocorre em torno das regras do Protocolo de Biossegurança de Cartagena, adotado pelas partes desde 2000. O tratado prevê a identificação desses organismos, mecanismos de responsabilização e compensação por danos ao ambiente e à saúde humana, além da avaliação de riscos e montagem de uma base de dados internacionais. A principal divergência gira em torno de qual expressão deve ser adotada para identificar esses produtos no trânsito internacional.

]Lei de rotulagem - De um lado, estão os ministérios da Agricultura, Desenvolvimento e Ciência e Tecnologia. De outro, figuram Meio Ambiente, Desenvolvimento Agrário, Saúde e Justiça. Em meio ao desentendimento está o Itamaraty, que defenderá os interesses do país no tratado. O primeiro grupo de ministérios, pró-transgênicos, defende que as cargas levem a expressão "pode conter" organismos modificados. O segundo, resistente à biotecnologia, quer que os documentos expressem "contém" um determinado tipo de organismo. Na última rodada de negociações das regras, em Montreal, no Canadá, o Brasil entendeu que o acordo ambiental seria usado como barreira não-tarifária e travou as discussões sobre exigências de documentação para carregamentos de transgênicos destinados à alimentação ou processamento. Há, porém, outra discussão sobre o paradoxo que significa o Brasil defender regras mais brandas em documentos de trânsito internacionais e, ao mesmo tempo, impor normas rígidas de rotulagem internamente. "Nossa lei de rotulagem tem aspectos em desarmonia com a posição do Brasil no protocolo", diz José Maria da Silveira, pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp. O decreto de rotulagem, de abril de 2003, exige informações na embalagem quando o produto tiver mais de 1% de ingredientes transgênicos em sua composição.

Rastreamento - Uma parte do governo vê no protocolo uma tentativa dos países importadores para transferir o custo do rastreamento das commodities aos produtores, como o Brasil, além de um movimento para evitar eventuais ágios nessas mercadorias, sobretudo a soja. "A União Européia quer regras estritas e rígidas para usar como barreira aos nossos produtos", resume o ministro Hadil da Rocha Vianna, chefe da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty e coordenador da delegação brasileira em Montreal. A outra parte exige a defesa da legislação nacional de rotulagem. "Nossa defesa se dá em cima da lei brasileira e do decreto de rotulagem", argumenta o assessor jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Gustavo Trindade.

Aplicação - O Ministério da Agricultura alerta, porém, que o Protocolo de Cartagena não trata de rotulagem, mas de informação na nota fiscal. "Há uma confusão. Não há comparações possíveis entre objetos tão distintos", diz o coordenador de biossegurança da Pasta, Marcus Vinícius Coelho. No setor privado, a disputa repercute mal. "Não existe cooperação dentro do governo para seguir a mesma linha", diz Rodrigo Carvalho Abreu Lima, pesquisador do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Para o professor José Maria da Silveira, da Unicamp, é preciso saber os limites do princípio da precaução em cada país. "Precisamos de informações para ter um sistema suficiente e confiável com o protocolo". Grande produtor e exportador de commodities, e agora com regras definitivas para plantio e comercialização de transgênicos, o Brasil precisa medir exatamente até onde as decisões do protocolo podem beneficiar ou prejudicar seus interesses. O protocolo se aplica ao comércio, armazenagem, identificação e uso de todos os transgênicos que podem afetar a biodiversidade e a saúde. (Valor Econômico)

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