TRIGO: Projeto deixa safra de trigo indefinida
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Uma mudança de rumo na política nacional do trigo sacode o setor e deixa a próxima safra indefinida. Com o plantio em fase inicial, o governo federal lançou projeto que amplia as exigências de qualidade, e que pode deixar quem produz trigo "de segunda" sem subvenções. O Paraná, responsável por metade do cultivo nacional, e o país ficaram sem previsões de quanto será plantado - e de quanto terá de ser importado para garantir abastecimento. Cooperativas, federações de sindicatos rurais e produtores estão fazendo pressão para tentar demover o Ministério da Agricultura (Mapa) das mudanças. Se aprovados, os novos critérios vão fazer com que uma parcela bem maior de trigo seja destinada à produção de ração.
Ocepar - O analista técnico da Organização das Cooperativas do Paraná (Ocepar), Robson Mafioletti, calcula que "mais de 50% da produção ficariam abaixo do padrão mínimo". Ele alerta que, sem garantia de preço mínimo, os produtores vão pensar duas vezes antes de plantar e pode haver aumento de preços no mercado interno. A meta do governo federal é ampliar a produção a 70% do consumo anual, que é de 12 milhões de toneladas. No último ano, a produção foi boa em volume, mas ruim em qualidade. O Mapa teve de apoiar, através da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a comercialização de 1,5 milhão de toneladas de trigo no Paraná (das 2,7 milhões de t colhidas) e 3,4 milhões de t em âmbito nacional (de 5 milhões de t). Parte desse trigo foi comprada pelo próprio governo, que terá dificuldade para vender o produto aos moinhos exigentes. Só para aquisição, foram anunciados R$ 119 no último mês. Agora, sob pressão do Ministério da Fazenda, que reprova a compra de trigo de baixa qualidade, o Mapa espera evitar que esse quadro se repita nas próximas safras. No entanto, segundo o setor produtivo, o aperto nas exigências pode tornar o cultivo inviável.
Preocupação - As cooperativas do Paraná dizem que mesmo o trigo de 2008, ano de boa safra, seria rebaixado. A estimativa é que 46% da produção teriam de ser vendidos por preços que não cobrem custos, relata o assessor técnico técnico e econômico da Ocepar, Flávio Turra. Pelas regras em vigor desde 2001, o corte foi de 14%. "Existe a preocupação de o pessoal não plantar. A classificação tem que ter como referência a qualidade do grão nacional", defende. A indústria do trigo declara apoio à proposta do governo, mas alega não ser autora das ideias. Para os moinhos, os produtores foram incentivados a produzir só em quantidade. "As exigências implantadas em 2001 foram um retrocesso em relação às de 1994. Agora pode haver um avanço", afirma o consultor da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo) Reino Rae. Ele se refere a índices de classe e tipo.
Moinhos - Os moinhos não usam os mesmos critérios do governo para selecionar o trigo. Dependendo do fim dado ao produto - pão, biscoito, massas -, podem ser mais ou menos rigorosos que a Conab e as próprias cooperativas. A classificação oficial funciona como exigência mínima para as diversas regiões. O trigo do Sudeste e do Cerrado não enfrentaria dificuldade, conforme a indústria. Porém, a produção dessas regiões não garante abastecimento. O Paraná produz trigo com pradrões comparados aos argentinos no Oeste e no Norte. O mais afetado pelas mudanças seria o Rio Grande do Sul, onde as variedades preferidas pelos moinhos rendem menos. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) avalia que o plantio nacional foi de 2,4 milhões de hectares na última safra do cereal, 1,3% a mais que na anterior. A produção teria caído 14%, para 5 milhões de toneladas. O plantio foi 15% maior no Paraná (1,3 milhão de ha) e a produção 17% menor (2,54 milhões de t) em 2009.
Plantio segue "por paixão"
Campo Mourão - A proposta do governo de exigir trigo de melhor qualidade desestimula os produtores, que alegam investir na cultura para ajudar na produção interna do alimento. Os problemas vão além dos critérios de corte. Com as novas exigências, o cereal deverá ser analisado na balança antes de ser depositado nos armazéns. "Não há como fazer essa classificação na balança. Isso demanda tempo e estrutura, que ninguém tem, inclusive os moinhos", afirma o presidente da Coamo, Aroldo Galassini.
Ele acredita que Brasília age sob pressão da indústria. "Estamos resistindo e não podemos aceitar essa proposta, pois estaremos criando uma intriga com os produtores. Queremos uma proposta clara que satisfaça o agricultor." O executivo acredita que, se a proposta entrar em vigor como está, muitos produtores vão deixar de cultivar o trigo. "Haverá uma redução drástica do plantio, vai acontecer como ocorreu com o café e o algodão. Somente quem gosta muito da cultura vai permanecer plantando." A discussão segue até 8 de abril, quando o governo pretende reunir propostas e bater martelo sobre o assunto.
Por conta das constantes frustrações geradas pelo preço baixo e pelas intempéries climáticas, o produtor José Dinarte Rodrigues pretende plantar aveia como cobertura de solo ao invés de investir no trigo. "Desde o ano passado, o trigo está fora da cotação da cooperativa (Coamo). É sinal que não vale a pena investir na cultura. Se o governo exigir mais na classificação, os produtores vão desaparecer", afirma o triticultor.
Mesmo com as mudanças que o governo propõe para a classificação do trigo, o agricultor Abbas Ali Ayoub não pretende deixar de cultivar o cereal. "Sou um apaixonado pela cultura. Prefiro plantar trigo à soja", enfatiza. Na safra passada, ele plantou 43 hectares e colheu média de 2,8 mil quilos por hectare. "A produção só não foi maior por conta da chuva na época da florada. A previsão era de 3,7 mil quilos", conta. Conforme ele, a produção foi suficiente para saldar as dívidas. A qualidade do trigo do último ano foi considerada ruim. Num quadro de boa oferta, os moinhos reduziram preços. "O agricultor tem de ter dom e saber cultivar o trigo, senão vai à falência", avalia. (Gazeta do Povo)