COMÉRCIO BILATERAL: Barreiras da Argentina irritam Planalto e Itamaraty
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A irritação com as barreiras argentinas aos produtos brasileiros chegou aos setores do governo mais inclinados a fazer concessões aos vizinhos, o Itamaraty e o Palácio do Planalto. "O problema principal é que estimulamos muito os empresários a fazer acordos setoriais, que implicam limitação das exportações", comentou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, antes de viajar para o Paraguai, para a reunião de cúpula do Mercosul. "Naturalmente, nossa ideia é que a contrapartida (argentina) é acabar com as dificuldades burocráticas", cobrou.Licenças não automáticas - A decisão argentina de submeter a maior parte das importações a licenças não automáticas provocou um colapso nas autorizações de importação, já que a análise dessas licenças não é informatizada e depende de formulários escritos, analisados um a um pelos fiscais. Técnicos do Brasil insistem na necessidade de tratar as licenças para os países do Mercosul de maneira diferenciada, sem muito êxito. O assunto deve se tratado em reunião de negociadores dos dois países, terça-feira, em São Paulo.
Pressão - Os ministérios do Desenvolvimento e da Fazenda têm defendido que o Brasil passe a reter licenças de importação de produtos argentinos, como forma de pressão, mas, até recentemente, a proposta era mal vista no Itamaraty e no Planalto. Essa disposição vem mudando, com o aumento das queixas dos empresários brasileiros. Embora até o setor privado reconheça, em conversas reservadas, que não há dados conclusivos para afirmar que produtos asiáticos vêm tomando lugar dos brasileiros no mercado argentino, na prática produtos chineses e de outros países, mais baratos, têm enfrentado queda menor em suas vendas aos argentinos que os do Brasil, no que os especialistas chamam de desvio de comércio.
Proteção - "O importante é criar proteção de emprego sem fazer desvio de comércio, isso é o básico", comentou nesta quinta-feira (23/07), em Assunção o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, em uma rara - ainda que discreta - crítica à Argentina. O assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia, também deu demonstrações do incômodo no governo com a atitude argentina, insinuando que retaliações não estão descartadas em Brasília. "Não adianta ficar em declarações altissonantes, se o mal tiver que ser feito - e não estou dizendo que vai ser feito - não precisa ser anunciado", disse.
Confiança recíproca - "Não é questão de retaliação ou não retaliação, é preciso trabalhar de forma que haja confiança recíproca", comentou Amorim. "É preocupante, sobretudo se há um desvio das exportações e outros ocupam, ainda que parcialmente, o espaço do Brasil, experimentam quedas menores", disse o ministro, que fez, porém, uma ressalva: o "contexto internacional" é desfavorável às vendas de produtos manufaturados, como os exportados à Argentina. "Em todos os países para os quais exportamos manufaturas também houve quedas, nos EUA também se registrou queda nas exportações."
Tônica - As barreiras ao comércio entre sócios do Mercosul deram a tônica do encontro dos países, nesta quinta-feira, preparatório à reunião dos presidentes do bloco, nesta sexta-feira. Anfitrião do encontro, o ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Héctor Lacognata, chegou a falar em "perda de relevância" e "aumento do descrédito" do Mercosul, por causa de "medidas protecionistas unilaterais, sem coordenação alguma e com forte caráter restritivo". Os representantes do Uruguai também reclamaram duramente das barreiras ao comércio no bloco.
Crítica - "Escutamos em demasia sobre medidas que nós legitimamente temos que adotar para preservar nossa estabilidade", reagiu o vice-ministro de Relações Exteriores da Argentina, Alfredo Chiaradia, criticando os paraguaios e uruguaios por não terem mencionado as medidas de efeitos protecionistas tomadas pelos países desenvolvidos, que aumentaram subsídios aos próprios produtos e criaram incentivos com efeitos de distorção do comércio.
Crise - Chiaradia argumentou que a retração no comércio dentro do Mercosul deve ser atribuída aos efeitos excepcionais da crise financeira internacional e acusou de serem "profecias auto-realizadas" as queixas de alguns países à falta de avanços na integração comercial do bloco. "A República Argentina também lamenta que não tenha havido avanços, o que não estamos preparados para aceitar e que algum de nós pretenda transferir as responsabilidade aos demais pela falta de avanços", comentou, em uma crítica velada à resistência do Paraguai em aceitar a maior parte das propostas de avanços na integração defendidas durante as reuniões técnicas do Mercosul.
Declaração - Por falta de acordo, os presidentes, nesta sexta-feira (24/07), devem assinar uma declaração esvaziada de decisões relevantes, especialmente na área de comércio. Entre as poucas definições, o Mercosul criou regras mais claras para verificar normas de origem, essenciais para facilitar o trânsito de mercadorias entre os sócios do bloco. Entre os resultados do semestre, os presidentes devem saudar, na declaração a ser assinada hoje, um acordo genérico para iniciar discussões comerciais com a Coreia do Sul, o registro do acordo de livre comércio alcançado com Israel, e os tímidos acordos de redução de tarifas com a Índia e a União Aduaneira da África Austral, liderada pela África do Sul.
Venezuela - A declaração final deve trazer uma referência também à necessidade de aprovar a entrada da Venezuela no bloco, e de retomar as discussões técnicas para a integração do país às normas do Mercosul. Depois de deixar em suspenso sua ida ou não ao Paraguai, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, informou que não iria, no que foi interpretado por diplomatas como um protesto pela falta de definições do Congresso no Brasil e Paraguai sobre a incorporação do país ao Mercosul. (Valor Econômico)