ENTREVISTA: Não há chance de o Brasil crescer 0%, diz Paulo Bernardo
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O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, acredita que o pacote habitacional lançado na semana passada será uma das principais alavancas a garantir a nova perspectiva oficial de crescimento econômico em 2009. Enquanto analistas já falam em estagnação ou até queda no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ao longo do ano, o governo apenas reduziu sua projeção de aumento: de 4% para 2% "cravados", nas palavras do ministro. Um dos segredos que dariam eficácia ao pacote, de acordo com Bernardo, são as negociações para simplificar e baratear os custos da habitação, especialmente com seguradoras, cartórios e órgãos de licenciamento ambiental.
Curitiba - Paulo Bernardo esteve em Curitiba falando para empresários a respeito do papel do governo frente à crise mundial e, antes de seguir viagem para a Colômbia para um encontro do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), esteve na redação da Gazeta do Povo para uma conversa com repórteres e editores. Confira alguns trechos da entrevista.
Que notícias sobre a crise o senhor trouxe para os empresários paranaenses?
Paulo Bernardo - Estive na Espanha e na Itália no mês passado e percebi que lá o pessoal está muito mais alarmado. O clima é muito ruim na Europa, principalmente depois do estouro da bolha imobiliária do Leste Europeu. É diferente do que vejo aqui - todo mundo está preocupado, mas você vê que os empresários estão com negócios andando, estão faturando, querem saber o que fazer pra enfrentar a crise. A gente nunca deve falar que o pior da crise já passou, mas é visível que as coisas estão melhorando. Estamos animados. Estive comentando a perspectiva do PIB com o [presidente do Banco Central Henrique] Meirelles e ele disse "pode cravar que vai dar 2%, não há a menor chance de dar zero". Os sinais que a economia está dando já são melhores, e esse programa de habitação que nós lançamos vai dar uma reação muito rápida. A tendência é as empresas contratarem com velocidade grande. A Caixa diz que vai fechar o trimestre com 150 mil contratos de financiamento de imóveis - nesse ritmo, serão 600 mil. No ano passado, foram 540 mil, dos quais 220 mil eram para imóveis novos.
O desemprego, especialmente em áreas específicas, não preocupa o planejamento desse programa?
Paulo Bernardo - Preocupa. O desemprego é um problema. Ele aumentou de dezembro para cá, em janeiro foi pra 8,2%, e em fevereiro para 8,5% - mas esse é o menor índice de fevereiro desde que o IBGE mede por esse critério. Estamos achando que o desemprego vai estabilizar e começar a diminuir.
Mas temos dados de que o subemprego cresceu, chegando a 18%, e segurou esse índice.
Paulo Bernardo - Eu acredito. Não tenho dados, mas conversei com uma fonte confiável que avaliou que haverá uma migração. O desemprego vai afetar mais o pessoal que tem mais escolaridade e renda, e menos o pessoal que tem menor qualificação e renda. Isso deve diminuir o salário médio, mas vai haver mais empregos nos setores que oferecem salários menores, como da construção civil. A FGV fez um estudo sobre nosso programa habitacional e disse que vai gerar 532 mil empregos, e que tem potencial de aumentar em 0,7 ponto percentual a evolução do PIB.
Esse programa é a principal ficha do governo para a crise?
Paulo Bernardo - Não. Esse programa vai abrir um espaço para o governo efetivamente diminuir o déficit habitacional. O presidente brinca que desde que ele era sindicalista já se falava no déficit de 7 milhões de moradias no país, e isso é realmente uma coisa vergonhosa.
O fato de o programa ser em parte financiado pelo dinheiro do FGTS, e portanto ligado ao mercado formal de trabalho, não pode atrapalhar?
Paulo Bernardo - Os subsídios serão do FGTS e do Tesouro. Uma das preocupações é que deve haver um fluxo negativo do fundo, ou seja, sair mais dinheiro do que entrar - possivelmente em 2010. Mas essas obrigações são todas garantidas pelo Tesouro. Além disso, o subsídio de famílias de até três salários mínimos é todo do Tesouro, o fundo de garantia vai só vai subsidiar famílias até seis salários. Acho que isso está sólido.
A flexibilização das relações entre sociedade e governo na construção de casas pode ser ampliada para outros setores? As indústrias pedem há tempo a flexibilização das leis trabalhistas, por exemplo.
Paulo Bernardo - A pergunta faz sentido, o problema é que temos que fazer isso pactuado. O governo não vai patrocinar um negócio unilateral, só porque os empresários acham que seria legal. Isso tem que vir com garantia de emprego, tem de ser conversado.
Os municípios tradicionalmente se queixam das dificuldades, e agora a situação piorou - tanto que a ministra Dilma Rousseff acenou com um tipo de ajuda federal. O que está sendo programado?
Paulo Bernardo - O presidente pediu para que eu fizesse um levantamento e estamos fazendo um relatório. De fato, nossa receita caiu de R$ 805 bi para R$ 757 bi. Isso é uma redução muito forte, e afeta o FPM e o FPE. Mas o FPM caiu em comparação com uma base alta. Os municípios e o governo fizeram seu orçamento antes da crise, ou seja, todo mundo fez uma suposição na economia rodando a 6,8% e jogou sua previsão lá em cima. Sabemos de prefeitos que assumiram o otimismo e aumentaram despesas. Eles vão ter que adequar o orçamento. Nós fizemos um contingenciamento grande, de R$ 21 bilhões, já anunciamos que vamos usar o projeto piloto de investimento, o que significa diminuir o superávit primário em R$ 15 bilhões - só aí já vão mais de R$ 30 bilhões de margem. Os ministros estão brigando com a gente, mas tem de ser feito. Se quisermos manter uma imagem de austeridade do governo, tem que fazer corte - e é inevitável que os prefeitos façam ajustes também.
A definição de sedes da Copa do Mundo pode balizar investimentos do governo federal?
Paulo Bernardo - Vai balizar. Já temos alguns estudos para apoiar o esforço em receber a Copa do Mundo - mas "apoiar" não significa que o governo federal vai organizar. Infra-estrutura do esporte é responsabilidade da natureza privada, da CBF com as empresas. As exigências de mobilidade urbana, de corredores de transporte, acesso aos estádios, aeroporto, nós achamos que é uma tarefa típica do poder público. Podemos apoiar financiando obras, por exemplo. O BNDES pode emprestar, de acordo com as garantias.
E os esforços do governo em diminuir o spread? Até agora a melhora do crédito foi tímida.
Paulo Bernardo - Essa semana voltamos a ter o volume de crédito pré-crise, as taxas estão compatíveis com aquele período. Isso é uma boa notícia. Mas também posso dizer que perdemos cinco meses para voltar onde estávamos. Ou seja, o crédito ainda é insuficiente e caro, com média de 51% ao ano para pessoa física. Nós precisamos encontrar um jeito de ter crédito civilizado no Brasil. As medidas que foram adotadas dão condições aos bancos menores de fazer captação, apoiamos o cadastro positivo, mas ainda temos mesmo é que achar caminhos que barateiem o crédito. A impaciência do presidente é essa. Mas não tem uma saída única, estamos trabalhando nisso - a Selic baixando já ajuda e vai empurrando dinheiro para o mercado.
Ainda temos sinais negativos na economia, como as demissões em alguns setores e a queda na previsão de consumo de energia elétrica. Em que se baseia a perspectiva de crescimento de 2%, quando o mercado fala em estagnação ou taxa negativa?
Paulo Bernardo - Sobre o setor metalúrgico, teve empresa que entrou em pânico, deu férias coletivas, dispensou gente e depois teve de contratar hora extra. Pode ser que [o crescimento do PIB] não chegue aos 2%, que você chama de muito otimistas, mas será próximo disso. Quem fala que o crescimento vai dar zero são analistas que têm muita influência da bolsa de valores. O agronegócio, salvo as perdas provocadas pela seca, está bem e se recuperando. E tem outra: pode ter a crise que tiver, mas vai ter consumo de alimentos. Antes da crise, o diagnóstico era de estoques baixos, e isso não mudou.
As relações do Mercosul retrocederam com a crise, com o protecionismo argentino?
Paulo Bernardo - O conflito com os ruralistas lá acabou afetando, mas não podemos nos meter. Eles têm que resolver por lá. Mas a volta do protecionismo é ruim como regra geral. Na Europa estão falando coisas horríveis, a estabilidade está muito prejudicada por causa disso, um querendo se proteger do outro. (Gazeta do Povo)