ENTREVISTA: \"Sistema de crédito rural brasileiro está ultrapassado e precisa ser reformulado\"
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Depois de concorrer ao governo do estado e concluir seu mandato como senador da República pelo Paraná, Osmar Dias assumiu um dos cargos mais estratégicos para o agronegócio brasileiro. Em abril, foi nomeado vice-presidente de Agronegócio e de micro e pequenas empresas do Banco do Brasil. O cargo lhe deu a responsabilidade de gerir uma carteira de clientes cujo orçamento deve alcançar R$ 90 bilhões até o final do ciclo 2011/12, 43% de todo o crédito rural disponibilizado pelo principal agente financiador da safra do país. Sem contar os R$ 60 milhões de orçamento previstos para a área de micro e pequenas empresas. Agricultor e pecuarista no Paraná e no Tocantins, Dias falou à Gazeta do Povo sobre o sistema de crédito rural brasileiro, um assunto que divide opiniões entre o setor produtivo. Confira abaixo trechos da entrevista.
O senhor acabou de concluir um mandato como senador pelo Paraná e assumir um dos cargos mais importantes para o agronegócio no país. Como bom conhecedor do assunto, se sente mais em casa agora?
É bem diferente do que eu fazia no Senado, mas no Senado também me dava satisfação porque eu consegui realizar aquilo que me levou para lá: defender o estado, projetos que viraram emenda na constituição ou que viraram lei. Ao banco, chegou com um objetivo bem claro: possibilitar a aplicação de tecnologia no campo através da liberação de recursos ao produtor. Assumo com o pensamento de produtor, de um técnico que trabalhou muitos anos defendendo a agricultura no legislativo e no executivo como secretário. Essa experiência acumulada me dá uma base para criar idéias novas, que já começam a ser colocadas em práticas para modernizar e colocar o credito do BB no mesmo patamar da tecnologia da Embrapa.O crédito vem crescendo no país, mas sempre é motivo de reclamação. O produtor precisa de mais crédito, na sua avaliação?
Se a gente for calcular o que uma safra despende de recursos, chegamos em um numero próximo a R$ 170 bilhões de reais. O crédito que está sendo liberado para esta temporada soma R$ 123 bilhões. Mas eu creio que a reclamação do produtor não é nem em relação à disponibilidade de credito, mas sim ao acesso. O banco não pode oferecer operações de crédito sem se garantir. E quanto o produtor deixa de pagar por 90 dias ele já é considerado um produtor de risco e isso dificulta a tomada de crédito. Se todos eles estivessem pagando em dia, o dinheiro estaria fluindo em uma velocidade maior. Por outro lado, o sistema atual de classificação de risco faz com que haja atraso e, às vezes, até restrição de acesso ao crédito. Então, eu levei para o banco uma nova filosofia. Tiramos da "lista negra" 40 mil produtores que tinham feito a rolagem de divida em 2008, quando houve a crise mundial e os preços caíram. Considerar inadimplente um produtor que está pagando suas parcelas em dia não é correto. A outra medida que estamos adotando para melhorar o fluxo e agilizar o processo de financiamento é a implantação de crédito rotativo de cinco anos. Não vamos conseguir implantar isso para essa safra, porque antes é preciso vencer uma serie de dificuldades, gerar essa tecnologia, colocar na rede do banco e receber a aprovação do CMN (Conselho Monetário Nacional), mas tenho esperança de que na próxima vai estar funcionando.
O Sr. acredita que a dívida rural, que é estimada em mais de R$ 110 bilhões e está voltando a ser discutida Congresso, será quitada algum dia?
Sempre fui contra perdão de dívida. Defendo não a anistia, mas a readequação do perfil da dívida à capacidade de pagamento do produtor. Os prazos que estão estabelecidos hoje não coincidem com o momento que ele vai ter renda. Então descasa o pagamento com a receita e ele acaba ficando inadimplente. Esse pacote de dívidas que o Congresso fala nunca foi verdadeiro. R$ 114 bilhões é o maior absurdo. Uma coisa é o estoque de dívidas que o produtor tá pagando e a outra é aquela divida que já está vencida. É preciso separar essas duas situações. Acredito que a dívida vencida mesmo não chegue a R$ 10 bilhões.
Qual a sua proposta para resolver isso?
Nós já tomamos medidas em relação à suinocultura e ao arroz, que são atividades que não estão remunerando o custo de produção. Estamos prorrogando a parcela que venceria esse ano pro final da fila, ou seja, no final do financiamento ele paga a parcela de hoje. Ele vai pagar esse ano só juros. E prorrogamos as parcelas de custeio em alguns casos em até cinco meses. Sem renda, o produtor era obrigado a vender pelo preço que o atravessador queria. Agora, com a prorrogação o pagamento, pode segurar e não precisa vender as pressas. Para os demais setores, defendo a negociação caso a caso, adequando o perfil da divida à capacidade de pagamento do produtor, mas jamais a anistia.
Quanto tempo o Sr. acha que o Brasil demora para chegar ao patamar do sistema de crédito de concorrentes como Estados Unidos ou União Europeia?
Nosso manual do crédito rural é de 1965, ou seja, tem 46 anos. Já está bem ultrapassado e precisa ser reformulado. Se conseguirmos implantar o crédito rotativo e o seguro de renda, acho que estaremos no mesmo patamar dos países mais desenvolvidos do mundo. O BB já o banco que mais financia agricultura no mundo, em valores financiados e em número de famílias.
O seguro de faturamento é o primeiro passo para o Brasil melhorar o sistema de crédito?É. Hoje, o seguro agrícola brasileiro protege uma quantidade muito pequena da produção, não paga nem o financiamento do produtor e, pior, só protege contra os riscos de clima. O ideal seria um seguro de renda que garantisse também o preço. Essa é uma reivindicação antiga minha, que, num primeiro momento, teve dificuldade de ser aceita, mas que depois foi recebida com bastante entusiasmo pelo banco. O Ministério da Fazenda acha que tem que testar na soja, que é uma cultura com menos risco, para medir os efeitos disso. Tenho certeza q o produtor vai aderir e que será ampliado para outras culturas que precisam bem mais que a soja, como o milho safrinha, por exemplo. Dessa forma não haveria necessidade de o governo está rolando dívida, anistiando produtor. O seguro cobriria tudo.
Existe algum "plano b" caso o seguro de faturamento não atinja a meta de 2 mil contratações?A expectativa é que dê certo, que a taxa de adoção seja alta para comprovarmos ao Ministério da Fazenda que o seguro de renda é uma medida acertada, principalmente para o safrinha e o trigo. Mas a gente precisa de duas coisas para completar essa política de seguros e crédito. Uma delas é a regulamentação do Fundo de Catástrofe, porque sem ele as seguradoras não vão ter coragem de investir no setor. E outro é a obrigatoriedade do seguro com recurso controlado porque assim aumenta-se a base e o seguro se torna mais barato. Hoje é caro porque o sujeito faz o seguro no safrinha, mas não faz na soja. Se tivesse a obrigação de fazer em tudo, o prêmio cairia de 8% cairia para 2%.
Hoje existe uma necessidade de provisão de créditos duvidosos de 4,6% daquilo que é desembolsado pelo banco. Era de 7,8% e deve cair mais. A qualidade do crédito está melhorando?Como cai o risco, o governo se arrisca mais, coloca mais recurso. Claro que a gente renegociar com quem quer pagar e não pode, mas não pode haver uma política de frouxidão com quem toma credito e fica inadimplente porque quer. Quem pode pagar e não paga, suja a água do bom pagador. Precisamos classificar bem e ter um atendimento personalizado exatamente para diferenciar os produtores daqueles que não são agricultores, mais sim especuladores. (Gazeta do Povo)