INTEGRAÇÃO ECONÔMICA: Mercosul completa 20 anos desagregando em vez de unir

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Criado há exatamente 20 anos, o Mercosul completa aniversário hoje sem ter se recuperado das crises econômicas do fim dos anos 1990. Após uma primeira década de aumento do comércio entre os países do bloco, os últimos dez anos foram marcados por uma perda relativa da importância de Paraguai, Argentina e Uruguai para a economia brasileira. Entre 2000 a 2010, a participação das vendas aos três países vizinhos passou de 14,4% para 11,9% em relação a tudo que foi exportado pelo Brasil. Nas importações, a queda foi mais acentuada, com recuo de 13,96% para 9,15%.

Responsáveis - A falta de compromisso com as regras estabelecidas nos acordos, a história econômica de proteção da indústria nacional e a falta de interesse político e de planejamento podem ser apontadas como responsáveis pela desimportância do bloco aos seus 20 anos, segundo especialistas. Quando foi estabelecido, o Mercosul, como o próprio nome indica, trazia a ideia da criação de um mercado comum - estágio de integração regional caracterizado por tarifas de importação e exportação extrabloco iguais para todos os membros, a chamada Tarifa Externa Comum (TEC) - e livre circulação de pessoas. Hoje, o bloco nem sequer chegou à etapa anterior: a união aduaneira, marcada apenas pela aplicação da TEC.

 

Taxas - Estudioso do problema da tarifa comum, o economista Honório Kume, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a divergência em relação às taxas aplicadas no comércio de produtos no bloco é, hoje, o principal entrave para o sucesso do Mercosul. Atualmente, Argentina e Brasil têm direito a alterar a TEC de 100 produtos; o Uruguai, de 225; e o Paraguai, de 649. "O caso mais controverso foi em 2001, quando a Argentina, em meio à crise, decidiu zerar as tarifas de importação de bens de capital [máquinas e equipamentos] para todos os países. Como para o Brasil já valia essa tarifa, o exportador brasileiro acabou perdendo, porque passou a competir com o resto do mundo. E a medida argentina também foi implementada logo depois por Uruguai e Paraguai", afirma Kume.

 

Cadeia produtiva - A questão da TEC está ligada a um problema central do Mercosul, e que inclusive motivou a criação do bloco: a assimetria entre os membros. No caso da TEC, os países têm interesse de incentivar o investimento das empresas - com a compra de bens de capital, o que gera aumento da produção e da exportação -, mas sem aniquilar os produtores locais de máquinas e equipamentos. Com tarifa zero, dizem esses produtores, em pouco tempo eles seriam extintos do mercado, porque não conseguiriam competir com o preço de máquinas e equipamentos estrangeiros. Como praticamente apenas o Brasil é um fabricante de bens de capital no Mercosul, o consenso sobre qual deve ser a tarifa é difícil de ser atingido.

 

Balança comercial - O descompasso na balança comercial entre o Brasil e os demais acabaram gerando críticas aos governos. A presidente argentina, Cristina Kirchner, por exemplo, ampliou as barreiras à entrada de produtos brasileiros. Máquinas agrícolas, inclusive as fabricadas no Paraná, na unidade da Case New Holland, não são vendidas à Argentina desde janeiro.

 

Produção integrada - Um estudo feito pelo economista Renato Baumann, ex-diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e atualmente membro do Ipea, mostrou a diferença das integrações regionais de América Latina e Ásia. Segundo ele, o fator que melhor explica por que uma integração funcionou e outra não é o que os economistas chamam de "complementaridade produtiva". Por exemplo: se, por algum motivo, cresce a demanda chinesa, Pequim passa a importar máquinas e equipamentos de Vietnã e Camboja. Esses países, com mais receita das exportações, compram mais produtos finais chineses, criando um circulo virtuoso que se autoalimenta. No caso do Mercosul, um aumento da demanda brasileira não significa que, no fim do processo, o Brasil também venderá mais produtos finais aos países vizinhos. Para os países menores, como Paraguai e Uruguai, a receita com a exportação de matéria-prima é depois gasta na compra de produtos de outros países, de fora do Mercosul. "No Mercosul, os países ricos exportam produtos industrializados e os menores, matéria prima. É uma política pouco sustentável no longo prazo", diz o economista.

 

Avanços - Apesar dos problemas, no ano passado o bloco estabeleceu um cronograma para o fim da bitrubutação - até hoje, uma mercadoria que entra por um país e circula por outro precisa pagar os impostos nas duas fronteiras. Com o acordo, que será feito em três fases, entre 2012 e 2019, todos os produtos poderão circular livremente pelos Estados. Ouro avanço, de acordo com Baumann, é a integração cultural de políticos e empresários dos quatro países. "Para bem ou para mal, eles passaram a se conhecer melhor. Houve avanços significativos de iniciativas na área social", diz.

 

Montevidéu: País terá 37 representantes no Parlasul - Desde janeiro sem representantes no Parlamento do Mercosul (Parlasul), o Brasil preencherá as 37 vagas a que tem direito com deputados federais e senadores com mandatos. Até a última semana, o país vinha tentando emplacar um projeto que reservava as cadeiras do Parlasul para ex-congressistas, mas a proposta não passou no Senado. O Congresso tem até setembro deste ano para definir se haverá ou não eleição direta para o Parlasul a partir de 2011. Os representantes no Mercosul trabalham em Montevidéu, capital do Uruguai. (Gazeta do Povo)

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