OPINIÃO: Câmbio, a doença é brasileira, não holandesa

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*Nathan Blanche

Apesar de a política cambial ser, em tese, de câmbio flutuante, não assistimos, nos últimos 12 anos, tamanho intervencionismo na formação das taxas pelo Banco Central e pela Fazenda. Em artigo publicado em 26 de maio, no jornal O Estado de S.Paulo, o ex-governador José Serra volta ao tema da desindustrialização. Ao afirmar que estamos destruindo a capacidade empresarial e exportando bons empregos para a Ásia, exige-se, na verdade, mais intervenções do governo. Dois dias depois, no mesmo jornal, o jornalista Celso Ming, referindo-se às declarações do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, disse que este "jogou a toalha no ringue" ao declarar diante de 400 empresários que "a questão cambial não tem solução em curto prazo".

Há de se discordar de ambos. A economia brasileira se depara atualmente com dois grandes desafios: internamente, o de como manter uma taxa de crescimento sustentável na ordem de 4% a 5% ao ano, dada a baixa capacidade de poupança doméstica e investimento, sendo necessário gerar déficits em conta corrente da ordem de 3% a 4% do PIB. Simultaneamente, há o cenário internacional no qual os países desenvolvidos devem manter as condições para a recuperação de suas economias, ou seja, taxas de juros próximas a zero e déficits fiscais, o que resulta em farta expansão de liquidez e contínua desvalorização de suas moedas frente aos emergentes, principalmente aos ditos commodity currencies, como o Brasil (figura 1).

 

Para evitar o processo de apreciação do câmbio, o BC vem adquirindo dólares diariamente e engrossando suas reservas, porém, a relação custo-benefício de tal atuação já não é favorável. Desde junho de 2009, o BC adquiriu quase US$ 100 bilhões sem provocar nenhuma melhora significativa no prêmio de risco (CDS), que se encontra estável no patamar de 110 pontos-base. (figura 2). Ainda, calculando pelo diferencial entre os juros internos e externos, em 2011 o custo fiscal de carregamento das reservas deve chegar aos R$ 54 bilhões.

Diante disso, torna-se difícil defender a simples alegação do BC de que a relação de reservas/PIB do Brasil é baixa (14%) comparada a de outros países. Na verdade, o parâmetro do mercado para cálculo do prêmio de risco é a relação reservas/dívida externa, além da situação fiscal, entre outros fatores. Adicionalmente, a compra sistemática de reservas não só distorce a formação da taxa de câmbio como incentiva novos influxos, já que a baixa volatilidade incentiva o carry trade.

Assim, o BC poderia adquirir reservas ad infinitum e, ainda assim, não seria capaz de impedir a valorização do câmbio; ao contrário, prejudicaria o cenário fiscal e pressionaria a taxa de juros. Outro ponto importante a se destacar é a composição do passivo externo bruto, que, em 2002, tinha cerca de 50% denominada em dólares e, hoje, esta fração representa apenas 25% do total. Ou seja, a necessidade de reservas tão elevadas, de fato, não procede.

O Ministério da Fazenda, através do aumento das alíquotas de IOF, obteve algum êxito na tentativa de restringir as operações de carry trade, a arbitragem de taxa de juros para capitais de curto prazo. Mas, dado o prêmio oferecido nesta operação, os agentes encontraram as brechas para contornar esse aumento de imposto. Por isso, persistem os rumores de que podem surgir medidas restritivas adicionais, que incidiriam não só nas operações de financiamento e mercado de capitais, mas no investimento direto, e até mesmo sobre as exportações de commodities.

Vale lembrar que o País depende de poupança externa, e restringir o fluxo de capitais terá impactos significativos nos níveis de crescimento. A Argentina é um bom exemplo do que pode ocorrer numa situação limite. O controle de capitais gerou insegurança política, o que culminou no default da dívida externa e queda de 15% do PIB no primeiro trimestre de 2002. Por definição, a taxa de câmbio é resultado e não fato gerador. A alegação que todas as nossas mazelas provêm da taxa de câmbio não têm fundamento. Conforme estudo elaborado pelos sócios da Tendências, Marcio Nakane e Samuel Pessoa, a taxa de câmbio de equilíbrio atualizada, considerando o câmbio real e os passivos externos líquidos, é de R$ 1,55/US$, ou seja, próxima do que observamos nas últimas semanas. Assim, o caminho para ganhar competitividade verdadeira e de longo prazo, não só no setor industrial, mas na economia brasileira, é atacar o custo Brasil, não a taxa de câmbio.

Somos campeões em termos de carga tributária (35% do PIB) e, mesmo assim, o governo despoupa 3% do PIB e só investe 1,5% do PIB ao ano. Temos uma infraestrutura precária, altos custos da energia, de encargos trabalhistas e burocráticos. Todos são fatores que puxam a produtividade para baixo. Por isso, em vez de tratar a taxa de câmbio como a "Geni" da economia, deve-se demandar dos governantes reformas estruturais básicas, há muito esquecidas.

Grau de industrialização por si não significa grau de desenvolvimento. Em tempos de economia globalizada deve prevalecer a "lei" das vantagens comparativas. A economia mundial marcha no sentido de transformar o processo produtivo e a distribuição do trabalho num encadeamento de eficiências. Austrália, Coreia e Nova Zelândia, que têm renda per capita no mínimo três vezes maior que a nossa, registram participações da indústria no PIB de 26,3%, 24,3% e 23,7%, respectivamente, ante os 25,4% do Brasil.

No atual cenário político, é baixa a probabilidade de reformas estruturais como a tributária, previdenciária, etc. Portanto, para aumentar a produtividade e competitividade, o governo deveria adotar medidas nos âmbitos normativo e operacional de curto prazo, como:

1) Maior grau de abertura da economia. Hoje, somos um dos países mais fechados entre os emergentes, com um fluxo de comércio de cerca de 20% do PIB, enquanto a média dos emergentes está acima de 25%. Nossa tarifa média de importação é de 31,4%, sendo que na Austrália é 10%, na Nova Zelândia, de 10,1%, e no Chile, de 25,1%.

2) Liberalizar e modernizar os normativos cambiais não só para capitais externos, mas principalmente para os residentes. Livre conversibilidade. Convivemos com um verdadeiro entulho cambial antagônico e burocrata. Estão em vigor leis e regras que datam de 1933. A livre conversibilidade e o aumento dos limites à participação de estrangeiros nos investimentos são outras medidas necessárias.

3) A volta das privatizações e aumento das concessões, principalmente no que se refere à infraestrutura.

4) Aumento dos convênios bilaterais de comércio com nossos principais parceiros.

5) Desindexação dos contratos e redução gradual da meta de inflação a partir de 2013, em direção a 3% ao ano.

*O autor é consultor da Tendências Consultoria Integrada e será um dos palestrantes do Fórum do Agronegócio que o Sistema Ocepar promove no dia 18 de julho,na sede da entidade, em Curitiba.

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