OPINIÃO: Golpe final na agricultura

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(*) Lúcia Vânia

A cisão entre o governo federal e os produtores rurais parece estar recebendo o golpe final. Se os pacotes de bondades editados pelo Palácio do Planalto para diminuir a crise enfrentada pelo campo não conseguiram acalmar os ânimos dos agricultores, a instrução normativa que revisa os índices de produtividade das propriedades rurais, que está dependendo unicamente da decisão do presidente Lula, será o golpe mortal no já estremecido relacionamento entre os dois lados.

Divulgada pela imprensa, pela primeira vez, em abril do ano passado, a proposta exige mais produtividade das propriedades rurais visando a ampliar o número daquelas áreas passíveis de desapropriação para reforma agrária no país. Segundo o próprio Incra, no entanto, existem hoje 58 mil grandes propriedades (acima de quinze módulos fiscais) detentoras de cerca de 134 milhões de hectares e classificadas, quanto à produtividade, como “improdutivas” pelos índices que estão em vigor desde 1980.

A instrução normativa do governo foi recebida pelos produtores como inconseqüente, por não prever as condições climáticas nem outras variáveis que ocorrem ao longo dos anos na agricultura e na pecuária, como comercialização, armazenamento e transporte, crédito disponível, taxas de juros, tributos, preços, mercados interno e externo, renda dos produtores, meio ambiente e as altas tecnologias, entre tantas outras que influem no setor primário.

Além de não reconhecer as questões econômicas enfrentadas pelo setor primário, a proposta exige a adequação imediata aos índices a partir da aquiescência do presidente Lula. As regras estão sendo determinadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Incra, sem que sejam ouvidos o Ministério da Agricultura, a Embrapa e, especialmente, o Conselho Nacional de Política Agrícola, órgão colegiado do Ministério da Agricultura.

Para sanar as incoerências da proposta do Executivo, apresentei, em junho de 2005, projeto de lei que estabelece prazo de dois anos para adaptação das propriedades rurais, em caso de culturas temporárias, e de cinco anos, em caso de culturas perenes e de exploração pecuária. Também propus que os indicadores de produtividade sejam fixados pelos ministros da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário, com a aprovação do CNPA, como determina a Lei 8.629/1993, em seu artigo 11.O projeto, em discussão na Comissão de Agricultura do Senado, também estabelece que o conceito de produtividade tenha por base estudos científicos e econômicos realizados pela Embrapa.

Sem interesse em ver minha proposta aprovada, a base do governo no Senado conseguiu retirá-la da pauta da Comissão de Agricultura. Desde novembro do ano passado o projeto está parado, apesar dos apelos do presidente da Comissão, senador Sérgio Guerra, para que seja devolvido e colocado em discussão.

A reforma agrária começou a ser implantada no Brasil muito antes do governo do presidente Lula, e deve continuar para garantir o benefício da terra para todos. Mas não pode prejudicar as propriedades rurais efetivamente produtivas, como o atual governo parece pretender com essa proposta.

Não pode haver divisão entre pequena, média e grande agricultura. Todos são elos de uma mesma cadeia produtiva. A agricultura familiar abastece o mercado interno, provocando, com a alta produtividade, a baixa do preço dos alimentos, especialmente os da cesta básica. O produtor que exporta, equilibra a balança comercial. Não é saudável, para a vida nacional, ou para a sociedade brasileira, que se coloquem em contraponto dois setores com atividades semelhantes e que trabalham de formas diferentes, naturalmente. Ambos contribuem para o desenvolvimento, gerando empregos, movimento no comércio, na indústria, na área social e na economia do Brasil.

(*) Lúcia Vânia - Senadora da República (PSDB/GO)
Artigo publicado no jornal Correio Braziliense  em 31/7/2006

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