Protocolo de Cartagena

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Gustavo Sbrissia (*)

Representantes do setor produtivo, ambiental e ministérios estarão reunidos em Brasília entre hoje (8/02) e o dia 10 para discussão do posicionamento brasileiro sobre o Protocolo de Cartagena. Na última sexta-feira (03) dirigentes e técnicos das cooperativas paranaenses estiveram reunidas em Cascavel, na sede da Coopavel, para discussão do Protocolo. O evento foi promovido pela OCB, Ocepar e CIB (Conselho de Informações sobre Biotecnologia) e teve como objetivo apresentar o conteúdo do Protocolo às cooperativas e levantar um posicionamento do setor, para auxiliar a OCB na defesa dos interesses cooperativistas nas discussões junto ao Ministério das Relações Exteriores.

Biossegurança
O protocolo de Cartagena sobre Biosegurança é um tratado ambiental internacional que foi aprovado em Janeiro de 2000, entrou em vigor em setembro de 2003 e foi internalizado no Brasil pelo Congresso Nacional no mês seguinte. Até o momento foram realizadas duas reuniões (Meeting of Parts - MOP1 na Malásia e MOP2 no Canadá). Nessas reuniões são aprovados, em consenso pelos países signatários, os procedimentos que orientam a implantação de seus artigos. A próxima reunião (MOP3) será realizado em Curitiba, entre os dias 13 e 17 de Março, uma semana antes da reunião da ONU (COP8) que vai acontecer entre os dias 20 e 31 de Março, com expectativa de participação de 5.000 pessoas de 188 delegações internacionais. A participação no evento está limitada a dois integrantes de cada país, com direito a um voto. Os demais participantes deverão fazer inscrição no site da ONU (www.biodiv.org) e estarão alocados em uma área para observadores, sem direito a voto, mas com direito a perguntas por escrito.

Objetivos do protocolo
“Contribuir para assegurar um adequado nível de proteção no campo da transferência segura, manipulação e uso de organismos vivos modificados (OVMs), resultantes da biotecnologia moderna, que possa ter efeitos adversos na conversação e no uso sustentável da diversidade biológica, levando em conta os riscos para a saúde humana e enfocando principalmente os movimentos “transfronteiriços” (Artigo 1° do Protocolo de Cartagena).

Objetivos específicos
Advance Informed Agreement (Acordo Prévio Informado) – garantir que os países importadores tomem decisão quanto à importação de um OVM que será intencionalmente liberado no meio ambiente (sementes ou outros organismos vivos), mediante realização de avaliação de risco. Seria o Acordo pelo qual o exportador busca o consentimento do país importador antes da primeira exportação de OVMs para liberação intencional no meio ambiente.

Biosafety Clearing-House (BCH) (Mecanismo Similar de Troca de Informações) – Visa garantir que os países importadores tenham acesso às informações referentes às autorizações de cultivo e de importação de OVMs destinados a alimentação humana, animal e ao processamento, bem como as legislações de cada país-parte sobre o assunto. Pretende auxiliar os paises nas trocas de informações científicas, técnicas, ambientais e jurídicas sobre OVMs.

Pontos chaves: manuseio, transporte, embalagem e identificação (artigo 18) - Os OVMs sujeitos a movimentação transfronteiriça devem ser manuseados, embalados e transportados em condições de segurança. As regras representam uma importante obrigação que deverá ser seguidas pelos Estados-parte, e configura o grande tema do Protocolo em negociação atualmente. A Implantação do Artigo 18, parágrafo 2(a), que trata da identificação de cargas ou carregamentos de OVMs do tipo commodities, como soja e milho é o foco principal da discussão do encontro no Brasil. O Brasil e a Nova Zelândia são os únicos países dos 131 signatários que defenderam a manutenção da expressão “PODE CONTER OVMs” na reunião em Montreal; os demais países querem alterar para “CONTÉM OVMs”. Vale ressaltar que o Brasil é o único grande exportador de soja que faz parte do Protocolo e, caso assuma obrigações sem fundamentos estritos, pode ter desvantagens perante seus concorrentes e gerar aumentos de custos. A outra pergunta é a seguinte: Por quê grandes países exportadores, do chamado Grupo de Miami (EUA, Chile, Canadá, Argentina e Austrália), não ratificaram o Protocolo?

As dúvidas que persistem
Com relação à utilização da expressão “CONTÉM OVMs”, que vem sendo defendida pela maioria dos países signatários, ficam algumas dúvidas:

  • Os testes serão realizados no porto de origem ou de chegada, nos silos ou nos navios carregados?
  • Como será a amostragem e a metodologia?
  • Quem seriam os responsáveis pelos demurrage costs (custos de retenção e atraso dos navios)?
  • Caso os testes sejam realizados em ambos os portos e os resultados sejam distintos, o carregamento seria recusado?
  • Como assegurar que os milhares de navios, trens, caminhões e silos mantenham cada lote testado em absoluta separação de qualquer outro lote?
  • Se alguém mesclar cargas, quem refaz os testes?
  • Quando a carga é dividida em duas ou mais, como a documentação é dividida entre os destinatários?
  • O exportador deve acompanhar o transporte dentro do país importador para evitar fraudes?
  • Como funcionariam as regras entre os países-partes e não partes?
  • Que tipos de testes são necessários e qual nível de exigência? O custo para o exportador pode aumentar até quatro vezes dependendo do tipo de teste. Exames mais detalhados podem elevar esses custos a ponto de inviabilizar as exportações.
  • É possível assegurar 0% de OVMs? Qual seria o limite aceito? 0,9%, 4%, 5%?
  • Quais seriam as adequações que toda a cadeia precisaria atravessar? Qual o custo?

Defesa do Brasil
O Brasil defende a utilização do texto “PODE CONTER OVMs” levando em conta que o próprio Protocolo prevê que informações detalhadas sobre os possíveis organismos presentes na carga devem ser depositados no banco de dados que reunirá informações sobre os produtos autorizados em cada país, o Biosafety Clearing-House (BCH). A expressão “CONTÉM OVMs” implicaria em testes muito estritos, como saber quais eventos OVMS estão presentes em um carregamento e, ainda, qual a quantidade de cada evento, o que traria custos elevados. O Brasil segue defendendo sua posição afirmando que os países deverão decidir sobre o uso doméstico de qualquer OVM previamente à sua aquisição no mercado internacional, com base em análise de risco.

Responsabilidade e Compensação (artigo 27)
A outra discussão chave gira em torno do Artigo 27 do Protocolo – Sobre Responsabilidade e Compensação (liability and redress). Responsabilidade, no contexto do Protocolo de Cartagena, está associada à questão dos danos causados pelo movimento transfronteiriço de organismos vivos modificados (OVMs) e de como tais danos serão reparados ou compensados, o que tem especial impacto sobre os países exportadores de OVMs. Na última reunião realizada em Montreal, Canadá, não foi possível chegar a um consenso, e foi definido um prazo de 4 anos (termina em 2007) para que as regras e os procedimentos internacionais sobre a responsabilidade e a reparação dos possíveis danos causados pelo movimento transfronteiriço de OVMs venham a ser estabelecidos. Uma das propostas é restringir apenas ao dano resultante do transporte de OVM entre os países. A outra mais ampla, defende que o escopo seja o dano resultante do transporte, do trânsito, do armazenamento e até do uso do OVM. Também está em discussão a responsabilidade pela reparação do dano, se cabe ao país importador, exportador, Governo, a empresa detentora da tecnologia, ou até mesmo ao produtor rural, dependendo do dano.

(*) Engenheiro agrônomo, analista técnico e econômico da Ocepar.

 

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