RESPONSABILIDADE SOCIAL: ISO 26000 busca entendimento mundial

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Há muito tempo se fala do surgimento de uma ISO relacionada à ação de responsabilidade social das empresas e que poderia, inclusive, condicionar a realização de operações comerciais ao cumprimento das normas aí contidas. A entrevista a seguir foi feita por Mobilizadores Coep com a coordenadora de Responsabildiade Social de Furnas, Lisangela da Costa Reis, que integra a Comissão de Estudos Especial Temporária que criou a série de normas NBR 16000 e que funciona como comitê-espelho do grupo de trabalho que está elaborando a norma internacional de responsabilidade social, ISO 26000, prevista para entrar em vigor em 2008. A compreensão da ISO 26000 é uma condição para as empresas que têm ações de responsabilidade social. A Ocepar integra o Coep-PR (Comitê de Entidades no Combate à fome e pela vida) junto com outras 42 instituições.

Coep - O que é a ISO 26000, o que determinou sua criação, quais seus objetivos, e o que ela tem de mais significativo?
Lisangela da Costa Reis - A ISO 26000, futura norma internacional de responsabilidade social, conterá diretrizes para as organizações de qualquer natureza, porte e localização, incorporarem a responsabilidade social à sua gestão. A proposta de criar uma norma ISO sobre responsabilidade social surgiu no Comitê de Política de Consumidores da ISO (Copolco), a partir da constatação da necessidade de construir uma plataforma de convergência entre conceitos e iniciativas de responsabilidade social que começaram a surgir em todo o mundo, com mais ímpeto, na década de 90. A ISO 26000 pretende cobrir todos os principais aspectos da responsabilidade social dentro de uma organização, ao contrário da norma SA 8000, por exemplo, que se concentra mais nos aspectos do mundo do trabalho.
O processo de elaboração da ISO 26000 é inovador porque conta com especialistas de mais de 60 países e de diversas organizações que trabalham em temas relacionados à responsabilidade social, tais como a OIT, a OCDE, o Pacto Global e outras instituições da ONU, GRI, etc., representando visões de diferentes segmentos sociais: indústria, governo, consumidores, trabalhadores,organizações da sociedade civil e entidades das áreas de serviço, suporte e pesquisa. É também inovadora a coordenação do Grupo de Trabalho de Responsabilidade Social da ISO. Pela primeira vez na história da instituição, um grupo de trabalho é coordenado, em conjunto, por uma entidade normalizadora de um país industrializado (o sueco Swedish Standadrd Institute -SIS) e outra de um país em desenvolvimento (a brasileira ABNT).
Coep - O que determinou essa posição de destaque do Brasil na elaboração da ISO 26000? Na sua avaliação, essa liderança está influenciando o movimento da RSE no país?
R.- O Brasil, por meio da ABNT, tem um histórico importante de participação em outros processos de elaboração e aperfeiçoamento de normas internacionais. Mais especificamente no caso da ISO 26000, o Brasil já havia iniciado a elaboração da NBR 16001 e pôde levar nas primeiras reuniões internacionais sua experiência de construção de uma norma de RS e, dessa forma, marcar uma posição de liderança. Muitos analistas têm dito que o Grupo de Trabalho da ISO de RS se tornou o principal fórum internacional de discussão sobre o tema. A delegação brasileira, o SESI / CNI, o Instituto Ethos, que participa do GT como membro D-liaison, e o GAO (Grupo de Articulação das ONGs - ISO 26000) têm buscado disseminar no Brasil, por meio de reuniões, seminários, encontros e palestras, as principais discussões que ocorrem no âmbito do GT, o que é muito importante para o movimento da RSE no Brasil.
Coep - Você acha que pelo fato de a norma ser destinada a todo tipo de organização e não apenas às empresas, ela poderá atender às necessidades específicas do mundo corporativo?
R. - O grande desafio é justamente esse. Ao mesmo tempo em que se deve estar atento para que a norma possa ser adotada por qualquer organização, incluindo o uso de uma linguagem acessível a todas as organizações, não se pode negligenciar aspectos muito relevantes da RS e que são inerentes às atividades do mundo dos negócios. Acho que não podemos esquecer que a discussão atual em torno da RS nasceu, principalmente em função de várias externalidades, sociais e ambientais, decorrentes das atividades das grandes corporações.
Coep - O conceito de responsabilidade social das empresas ainda não é objeto de consenso. Você acredita que a partir da edição dessa norma, haverá um entendimento mais claro sobre o que é a RSE e um estímulo para que as empresas aprimorem suas práticas sociais?
R. - O projeto da ISO 26000 é ainda mais ambicioso do que obter consenso em torno de conceitos e práticas de responsabilidade social no meio empresarial, uma vez que se pretende que a norma possa ser adotada por qualquer tipo de organização, independente de sua natureza, porte e localização. Este é justamente o maior desafio do processo de sua elaboração: criar uma base de entendimento sobre responsabilidade social que seja adequada tanto para uma empresa transnacional quanto para uma pequena ONG que opere em um país em desenvolvimento.
Acredito que a ISSO 26000 contribuirá para disseminação dos conceitos e de práticas de RSE, uma vez que no seu processo de elaboração conta com a participação de especialistas de diversas empresas, de países industrializados e de países em desenvolvimento, com diferentes visões e que têm trazido seu conhecimento e sua experiência sobre o tema. A idéia é buscar o consenso em torno do que se considera um patamar mínimo de princípios, temas e formas de implementação a serem contemplados para que uma organização incorpore a RS em sua gestão. As empresas que estiverem dispostas a incorporar a RS à sua gestão encontrarão na norma ISO 26000 um guia de orientação com diretrizes sobre os princípios a serem observados, temas a serem tratados e indicação sobre as melhores ferramentas disponíveis no mercado para tal. Ao mesmo tempo, a norma por não conter requisitos, deverá dar flexibilidade para que as organizações adaptem as diretrizes às suas realidades.
Coep - Na sua avaliação, qual é o aspecto central da norma ISO 26000?
R -. Um dos princípios centrais da norma é o envolvimento dos stakeholders (funcionários, clientes, fornecedores, comunidade, governo, meio ambiente,etc), isto é, há uma orientação clara para que a organização esteja atenta às relações com todos os seus públicos de interesse, com ênfase no potencial de impacto da organização sobre eles e vice-versa. Esse envolvimento, inclusive, é que ajudará na sua legitimação, uma vez que ao contrário das séries de normas ISO da qualidade e meio ambiente (séries ISO9000 e 14000 respectivamente), a ISO 26000 não terá propósito de certificação. De fato esta é uma questão central para a gestão da RS de qualquer organização, e a norma deverá contemplar uma série de mecanismos que podem ser utilizados para efetivação do envolvimento dos stakeholders.
Coep - A ISO 26000 tem implantação prevista para 2008. Como as peculiaridades de cada país serão tratadas pela nova norma? Como se dará sua implantação no Brasil, especificamente?
R - Houve desde o início da sua elaboração uma preocupação em se respeitar diferenças geográficas, culturais e sociais, desde que não haja conflito com instrumentos amplamente aceitos que tratem de algum aspecto da RS, como por exemplo, a Declaração dos Direitos Humanos e as Convenções da OIT. Quanto à sua implementação no Brasil, a expectativa é de que as empresas líderes na área de RS puxem o processo e gradativamente estimulem as demais empresas a seguirem seus passos, a exemplo do que aconteceu com as normas ISO 9000 e 14000.
Coep - E com relação às demais entidades? Hoje no Brasil fala-se muito da implantação de ações de responsabilidade social pelas empresas. Mas como está a adesão das demais entidades aos princípios da RS? A seu ver, a norma será adotada por essas organizações no Brasil?
R - Sinceramente, é difícil responder. Particularmente, acredito que algumas ONGs atualmente se encontram bastante atualizadas em termos de incorporação dos princípios da RS. O GAO - ISO 2600, mencionado anteriormente, terá um papel muito importante na disseminação dos princípios defendidos na nova norma. As entidades que defendem os direitos dos consumidores, por exemplo, já avançaram muito na área de RS e têm uma visão muito clara sobre os pontos que são vitais para garantia dos direitos dos consumidores e, de forma mais ampla, da sociedade. Na CEET/RS e na delegação brasileira, que participa das reuniões internacionais, esse segmento é representado pelo Idec.
Já a postura dos trabalhadores têm sido de avaliar a consistência entre o que se discute em termos de direitos trabalhistas e condições de trabalho decente com o que esse segmento já tem assegurado, seja por meio da legislação brasileira, seja pelas Convenções da OIT e princípios e diretrizes da OCDE. Os trabalhadores são representados na CEET/RS e na delegação brasileira pelo Dieese e pelo Observatório Social. Quanto ao Governo, por enquanto a postura da maioria dos órgãos governamentais é que eles sejam agentes de orientação e fiscalização, ao contrário de algumas entidades governamentais de países desenvolvidos, onde já se avançou muito nas questões sociais, como a Suécia, por exemplo, que enxergam a ISO 26000 como instrumento para auxílio a sua própria gestão.

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