SANIDADE: UE quer bem-estar animal nas regras da OMC

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A União Europeia está propondo a um grupo restrito de países, entre os quais figura o Brasil, a inserção das regras de bem-estar animal nas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). O governo e o setor privado brasileiros estão preocupados com as intenções por trás dos esforços da UE. Há temores sobre eventual uso do tema como "moeda de troca" para garantir uma possível sobrevida aos subsídios agrícolas concedidos pelo bloco a seus produtores, principalmente em tempos de profunda crise.

Normas de mercado - A mais recente ofensiva dos europeus ocorreu durante a última conferência sobre comércio global e bem-estar animal, realizada em Bruxelas, há 12 dias. Nos corredores da conferência, os dirigentes europeus convocaram uma reunião restrita a representantes de China, Brasil e Estados Unidos para dar um recado ainda mais explícito: as regras de bem-estar animal são normas de mercado e, portanto, devem fazer parte da OMC.

Escudo - Nas entrelinhas, porém, teria ficado clara a disposição da UE em usar o tema do bem-estar, caro aos consumidores e ONGs de proteção dos animais, como um "escudo" na defesa da extensão dos subsídios agrícolas no bloco. "Não aceitaremos a imposição de regras de bem-estar animal como uma forma de barreira comercial. Dissemos isso claramente à UE", afirma o secretário de Desenvolvimento Agropecuário do Ministério da Agricultura, Márcio Portocarrero, que representou o governo brasileiro na conferência. Ele rejeita qualquer tentativa de usar normas técnicas como moeda de troca. "Essa questão não pode servir aos países europeus quando chegar a hora de reduzirem seus subsídios. Mostramos o que estamos fazendo e fomos contrários à posição de transformar em barreira comercial". O governo brasileiro foi o único convidado a participar como painelista no evento.

Debate ainda restrito - O embaixador da UE no Brasil, o português João Pacheco, defende o uso dos princípios de bem-estar animal como regras de comércio internacional, mas esclarece que os debates ainda estão restritos à Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), um braço da OMC para o tema com 172 países-membros. "São regras que não têm qualquer incompatibilidade com a OMC. Essa discussão existe e gostaríamos que houvesse a absorção dessas regras pela OMC. Mas as discussões ainda estão na OIE", afirma.

"Seres sensíveis" - As discussões internas na Europa sobre bem-estar animal começaram há três décadas, mas as regras começaram a ser implantadas a partir de 1999. A política das "cinco liberdades" da UE prevê garantia de água, alimento, espaço adequado e descanso, além do direito de não sofrer doenças, dor, ferimentos, medo ou angústia. Os europeus desenharam um plano de ação até 2010 para melhorar os níveis de proteção e bem-estar dos animais, considerados "seres sensíveis" pelo bloco.

Tema novo - "Concordamos, estamos avançados, até mais do que eles em alguns casos, mas é preciso ter debates. Temos que resolver juntos com a sociedade", afirma o secretário Portocarrero. Mas o governo não vai impor regras no mercado interno, segundo ele. "Elas serão voluntárias. É um tema novo, que pegou o setor privado de surpresa e o mundo tem que construir parâmetros, e não apenas aceitar imposições".

Impactos econômicos - O governo teme os impactos econômicos sobre o setor rural. "O produtor europeu e americano quer saber se haverá subsídios, mas o brasileiro quer saber se vai pagar o pato sozinho", resume Portocarrero. Ele alerta que as regras implicam a redução da população animal, a elevação dos custos de transporte e de alimentação dos animais. "Dizem que essas boas práticas remuneram as ações, mas ninguém ainda provou isso".

Relação comercial - A UE insiste em colocar as regras na OMC porque diz que é uma questão de relação comercial entre os países. E tem apoio de poderosas ONGs de proteção dos animais, como a WSPA, e goza de amplo respaldo de consumidores, que declaram-se dispostos a mudar hábitos de alimentação para preservar os animais. Se passarem ao âmbito da OMC, as regras devem obrigar produtores e indústrias a se adaptarem até 2012 a rígidos padrões de criação, alimentação, transporte, armazenagem e distribuição de carnes bovina, suína, de frango e peixe, além de outros derivados animais.

Primeiras iniciativas - Algumas redes varejistas da Europa já começaram, por exemplo, a vender apenas ovos de aves criadas em sistema amplas áreas. Até 2012, serão proibidas criações em certas instalações industriais. Desde 2003, nenhum novo projeto de avicultura recebe autorização sem esse planejamento. Para garantir um transporte adequado dos animais, as regras aprovadas em 2007 fixam certificações específica sobre quais gaiolas devem levar os animais, treinamento e cadastramento de motoristas e operadores da carga pelo governo, além de uso de GPS para monitorar o cumprimento dos princípios. (Valor Econômico)

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