BIODIESEL: Preços da soja inviabiliza indústrias
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A disparada dos preços do óleo de soja nos mercados internacional e doméstico, que era considerada uma das principais ameaças ao avanço do programa brasileiro de biodiesel, iniciado em 1º de janeiro, começa a se transformar em obstáculo concreto. Como o produto é a principal matéria prima para a oferta nacional, sua persistente tendência altista não só aumenta progressivamente os custos para a produção do biocombustível como torna cada vez mais atraente a exportação do próprio óleo. Resultado: das 51 usinas de biodiesel autorizadas a operar no país, pelo menos 30 estão paradas ou com produção esporádica.
Mistura obrigatória - Com uma demanda prevista em 800 milhões de litros para este ano, por conta da obrigatoriedade de se misturar 2% do biodiesel no diesel, o governo tem comprometida, por meio dos leilões de compra da Petrobrás, uma oferta de 380 milhões de litros. Ainda que parte desse volume ainda não tenha sido entregue à estatal, que administra a distribuição aos postos, se isso acontecer o programa deverá correr sem sustos no primeiro semestre. Para a segunda metade do ano, porém, a garantia de oferta é uma incógnita, uma vez que boa parte dos produtores de biodiesel descarta operar no vermelho. Edson Silva, superintendente de abastecimento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), reconhece que boa parte das usinas está parada e atribui o fato aos altos custos de produção. Mas, segundo ele, não há riscos de desabastecimento no país. "As usinas que estão em operação devem garantir a oferta".
Ociosidade - O Brasil conta com uma capacidade instalada três vezes maior que a demanda, já que as 51 usinas instaladas podem produzir até 2,5 bilhões de litros por ano. Mas os produtores insistem que, sem mercado favorável, não vale a pena ligar as máquinas. "Coloquei minha fábrica à venda", diz Antônio dos Reis Felix, presidente do grupo Gasoil Distribuidora e um dos pioneiros do programa. A Biolix, instalada em Rolândia (PR), começou a operar com biodiesel ainda em 2004. "Fomos a primeira fábrica do Brasil a operar pela rota do etanol, e hoje não vale a pena continuar no setor (...) O governo deveria preparar 30 caixões para "enterrar" as 30 unidades de biodiesel que estão paradas no país", afirma.
Produzir óleo de soja - No Mato Grosso, que reúne a maioria das plantas de biodiesel no país, a opção tem sido mesmo o processamento de óleo de soja. É o caso da Abrasoja, de Sorriso. A empresa participou dos leilões do governo, mas não produziu uma gota do combustível até agora, como informou ao Valor uma fonte interna. Outra que está desanimada é a Ponte di Ferro. A companhia arrendava usinas e no momento está construindo três unidades próprias, mas reclama dos rumos do segmento. "O programa tem alegrias e tristezas. O lado bom é a possibilidade de criar riqueza no campo, mas isso ainda tem ocorrido de forma desorganizada", afirma Carlos Zveibil Neto, sócio diretor da companhia.
Preço baixo - A empresa foi uma das vencedoras do segundo dos sete leilões de compra realizados pela ANP. Os preços acertados, entre R$ 1,799 e R$ 1,830 por litro, foram os mais baixos entre as vencedoras daquela rodada. Seriam entregues 45 milhões de litros. A alta dos preços da soja e do sebo bovino, então base da produção da companhia, inviabilizou a atividade e o contrato foi cancelado, segundo Zveibil. A maior das três usinas em obras da Ponte di Ferro, todas com início de operações previsto para agosto, fica na região de Campinas (SP) e terá capacidade de 40 milhões de litros por ano. As outras duas, ambas com capacidade anual de 15 milhões de litros, ficam na Paraíba e no Rio Grande do Norte. Apesar dos percalços, Zveibil acredita que o mercado poderá melhorar depois de 2010, quando passará a ser obrigatória a mistura de 5% de biodiesel no diesel. "Esperamos que até lá as vendas possam ser feitas diretamente às distribuidoras, e não exclusivamente pelos leilões".
Concorrência da Petrobrás - Segundo Nivaldo Trama, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Biodiesel (Abiodiesel), entidade que reúne as pequenas e médias indústrias do setor, a intenção da Petrobras de entrar no segmento com produção própria também atrapalha. "Hoje somente as plantas de biodiesel que estão verticalizadas na soja estão preparadas para enfrentar os custos". Com o tempo, crê Zveibil, a onipresença da Petrobras será diluída. Ele faz contas: "a demanda do mercado hoje é de 800 milhões de litros. Com o litro a R$ 2,20, o faturamento total chega a R$ 1,620 bilhão. Se a Petrobras conseguir abocanhar 10%, o que é um resultado extraordinário, serão R$ 162 milhões por ano. Isso não faz a menor diferença para uma empresa do porte dela", raciocina.
Produtividade e redução de custos - Outra pioneira, a Soyminas interrompeu a produção de sua planta, localizada em Cássia (MG), para melhorias no fluxo de produção da unidade, segundo Valter Egídio, presidente do conselho de administração da companhia. O objetivo é aumentar a produtividade por meio da redução dos custos de produção. "No último leilão, as grandes usinas jogaram o preço lá embaixo. Foi uma estratégia para marcar território. Para nós ainda era viável, mas muita gente não consegue produzir com os preços da última rodada". A unidade da Soyminas operava com girassol, nabo forrageiro e soja. Com as mudanças, poderá obter biodiesel também a partir do pinhão manso. O aporte é de R$ 3 milhões. Ainda que, segundo Egídio, a usina até tivesse a possibilidade de obter margens com os preços do último leilão (cerca de R$ 1,80 por litro), a Soyminas deve voltar suas baterias para o mercado externo. "Temos muitos interessados em comprar biodiesel no exterior e o preço que pagam é muito melhor", diz Egídio. A demanda é forte na Europa, mas tem crescido fortemente também o interesse do Japão pelo combustível, segundo ele. "Pretendemos participar dos próximos leilões, mas o foco vai ser fechar o melhor contrato". (Valor Econômico)