CRISE FINANCEIRA II: Crescimento do Brasil depende das seqüelas da crise, diz economista
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O economista Juan Jensen, da Tendências Consultoria Integrada, classifica como boas as últimas medidas anunciadas pelo governo dos Estados Unidos para estancar a crise no mercado financeiro. Jensen afirma que o crescimento do Brasil, em 2008, não deve ser afetado, mas o de 2009 precisa ser revisto e dependerá das seqüelas da crise. Com relação aos investimentos em infra-estrutura, o economista diz que, apesar do enxugamento do mercado de crédito, um bom projeto e a existência de agências reguladoras independentes continuarão a atrair o interesse do capital privado - mesmo que o custo do financiamento seja maior.
Confira a seguir, entrevista do economista para a Agência ABCR:
Agência ABCR - Qual a sua avaliação das últimas medidas anunciadas pelo governo dos Estados Unidos para enfrentar a crise que abalou o sistema financeiro?
Juan Jensen - São boas. Não resolvem totalmente o problema, mas as últimas medidas foram muito boas.
Agência ABCR - Pela reação do mercado e da maioria dos analistas, a proposta de criar uma agência que concentraria os títulos podres, que estão causando problemas ao mercado, atinge o ponto central do problema?
Juan Jensen - No fundo, evita a sangria. Existem várias instituições lá fora com esse tipo de problema nos seus balanços, nos seus ativos. Poucos reconhecem, tem muita coisa a ser reconhecida, isso só será reconhecido aos poucos e vai provocando esse mal-estar que estamos assistindo. Se o governo limpa as instituições desses ativos podres é como se o jogo começasse do zero. Haverá uma perda, um custo fiscal importante para o governo, para os contribuintes americanos, mas para o mundo como um todo é uma notícia muito boa, excelente, que preserva o sistema. Ou seja, ninguém quer ficar vendo quebra de banco e isso pode se tornar um problema sistêmico de muito maior proporção. Tem um custo? Claro que tem, mas se a gente analisar o outro lado, ou seja, se ele (o governo) não fizer isso, qual será o resultado: vamos chegar num cenário de fato muito pior de forte retração, não só do PIB americano mas do PIB mundial.
Agência ABCR - Qual a principal lição que essa crise deixa ao mercado e qual seu impacto, neste momento, para os países emergentes?
Juan Jensen - A principal lição e a maneira que ela vai impactar, não só os emergentes mas os países centrais, é a forma de conceder crédito. Essa crise é uma crise de crédito. Uma expansão muito forte sem garantias reais. Essas garantias se perderam, que é o problema do sub-prime, o devedor lá na ponta final não tinha dinheiro para pagar. Isso, certamente, vai levar os bancos comerciais, de todos os países, inclusive os bancos brasileiros, a tirar o pé do acelerador, a passar a emprestar com muito mais critério na escolha dos seus clientes. Então, teremos um aperto de crédito nos próximos anos, para todos os países. O resultado disso tudo é que o mundo passa a crescer um pouco menos.
Agência ABCR - Você acha, então, que será inevitável um processo mais rigoroso de regulamentação do setor financeiro?
Juan Jensen - Isso também. Na verdade, o Brasil tem um processo bem mais rigoroso que o americano, tanto que nossos bancos não sofreram. Mas, certamente, eles não querem perder dinheiro e isso dá um susto em qualquer instituição. E certamente os nossos bancos também passarão a ter um pouco mais de critério na hora de conceder o crédito. Não que eles não tenham, mas esses critérios serão, daqui para frente, um pouco mais apertados.
Agência ABCR - Em que ponto essa dificuldade, desde que as instituições passem a ser mais seletivas, podem afetar os investimentos e financiamentos de projetos de mais longo prazo?
Juan Jensen - Também afeta. Entre os clientes do crédito existem empresas e elas também terão mais dificuldade, pagarão mais caro por financiamentos. Por outro lado, ela vai olhar para a atividade econômica. Como ela verá um consumidor que está tomando menos crédito, ela passará a investir um pouco menos, porque a demanda lá na frente também será um pouco menor. Isso tira dos dois lados, cria uma redução na oferta, na capacidade da companhia em aumentar o investimento, porque o crédito ficou escasso, e, do outro lado, quando olha a atividade econômica, tem um consumidor cujo poder de consumo não crescerá tanto porque o crédito passará a crescer um pouco menos.
Agência ABCR - Você acredita que, no caso Brasil, onde já existia a preocupação com o volume do crédito pessoal, que já estava muito significativo, há uma possibilidade de redução ou redirecionamento desses recursos para o setor produtivo?
Juan Jensen - Dificilmente teremos queda de expansão. O mercado de crédito brasileiro deve continuar se expandindo no próximo ano, porém a taxas bem mais modestas do que as que observamos nos últimos dois ou três anos. Continuaremos com crédito ao consumidor crescendo e com crédito a pessoas jurídicas também crescendo, mas a ritmos menores que do que temos observados. A trajetória, porém, continuará sendo de expansão.
Agência ABCR - Essa expansão também ocorreria para financiamento e investimento em projetos de infra-estrutura? Ou o Brasil precisaria tomar outras medidas...
Juan Jensen - Nesta área, faltam na verdade mais projetos do que dinheiro. Dinheiro também falta, mas se a gente olhar para o passado recente, nos últimos dois ou três anos, na verdade não foi falta de dinheiro que limitou o investimento nessa área, foi falta de projetos. Aí é o setor público que não tem um bom projeto de concessão, de privatização. Provavelmente, um bom projeto vai continuar, pós-turbulência, atraindo o capital estrangeiro.
Agência ABCR - Mesmo com essa crise, o processo de concessão de rodovias ou projetos de outras áreas da infra-estrutura, como energia, por exemplo, teriam condições de atrair o interesse do capital privado?
Juan Jensen - Exatamente. Sempre existe interesse, desde que seja um bom projeto, um projeto bem regulamentado. Mas certamente o dinheiro virá um pouco mais caro do que veio nos últimos dois anos, que é o custo da crise. A crise deixou o mercado um pouco mais seco, os bancos mais seletivos. Então, qualquer projeto - mesmo sendo bons projetos - vai pagar um pouco mais caro em termos de financiamento. O preço mais alto também aparecerá em projetos de infra-estrutura. Não é que vai haver falta de dinheiro. Um bom projeto de licitação de uma rodovia pública, em meados do ano que vem, pode sair tranquilamente.
Agência ABCR - Com a escassez de crédito, o que seria mais interessante nesse momento para o Brasil: o governo poderia resolver a questão das agências reguladoras para facilitar a continuidade de entrada de recursos ou o arcabouço legal e jurídico que se tem hoje é suficiente para resolver a questão, pelo menos, momentaneamente?
Juan Jensen - O governo tem que agir nas reformas micro-econômicas, no fundamento, porque a questão das agências reguladoras foi totalmente abandonada na gestão atual. Ou seja, tem de retomar o poder dessas agências, a confiança, tudo isso é o que vai trazer uma boa regulação. E uma boa regulação passa por uma agência reguladora que tem credibilidade e que tem poder. As agências reguladoras foram enfraquecidas nos últimos anos. O ambiente de negócios para a área de infra-estrutura piorou muito nos últimos anos.
Agência ABCR - Seria o momento ideal pra se pensar nisso?
Juan Jensen - Não tem momento ideal para se pensar nisso. Sempre é bom pensar nisso. Mas, no cenário atual, se você não fizer isso, não tem dinheiro. Se para quem tem um bom projeto já vai ser mais difícil, sem um bom projeto, esquece, não tem dinheiro.
Agência ABCR - Com a divulgação do PIB de 6% no primeiro semestre, a maioria dos analistas refez suas projeções, subindo a previsão da taxa de crescimento para 2008. Com a crise americana, é hora de refazer essas projeções, mas no caminho inverso, ou dá para manter as expectativas?
Juan Jensen - O País continuará acrescendo este ano. Faltam pouco mais de três meses para acabar o ano e, mesmo com a crise desacelerando um pouco o consumo, seremos pouco afetados no crescimento do PIB. Estamos com o crescimento de 5,4% para o ano fechado e, dificilmente, esse número muda com os acontecimentos atuais. Para 2009, porém, já estamos revendo para baixo o crescimento e ele pode ainda ser revisto mais para baixo, dependendo das seqüelas deixadas pela crise.
(Agência ABCR)