YOUNUS: Microcrédito é necessário em qualquer lugar, diz Prêmio Nobel da Paz
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O Prêmio Nobel da Paz em 2006, Muhammad Yunus, 67 anos, conhecido por ter fundado o Grameen Bank para ajudar os pobre de Bangladesch, vem ao Brasil brevemente. Entrevistado pela revista Isto É Dinheiro, nas bancas hoje (26/05) afirmou que é contra o que os bancos fazem no Brasil, praticando altas taxas de juros. Também se posicionou contra políticas de caridade que impedem o progresso das pessoas. Em vem ao Brasil em junho para o Fórum Internacional de Comunicação e Sustentabilidade, quando se encontrará com o presidente Lula. Extraímos da revista alguns trechos de sua longa entrevista:
Dinheiro - Por que o microcrédito é um sucesso em países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos?
Muhammad Yunus - Trata-se de um serviço financeiro necessário em qualquer lugar. Em países emergentes, em países pobres e em países ricos. Isso porque os bancos convencionais não abrem suas portas a pessoas com baixo nível de rendimentos. Essas pessoas não têm nenhuma chance com os bancos, e então se tornam vítimas de agiotas. O que fizemos, então, foi desenvolver um sistema de empréstimos, que funciona muito bem para pessoas de baixa renda. Podemos emprestar dinheiro sem exigir cauções, sem a intervenção de advogados, e mesmo assim garantir um resultado de adimplência de 98% a 99%. Independentemente de qual seja o país, esse sistema funciona muito bem, porque estamos lidando com atividades geradoras de renda.
Dinheiro - O sr. já disse que a pobreza é conseqüência da atual ordem econômica e social. Dessa forma, o sr. está sugerindo que a solução para a pobreza não está nas mãos dos pobres?
Yunus - A pobreza não é criada pelo povo pobre. Ela é criada pela ordem econômica e social. Portanto, se queremos acabar com a pobreza, temos que introduzir mudanças nessa ordem. Temos que reprojetar tais instituições, econômicas e sociais, e os conceitos que tiveram seu papel na criação da pobreza. Não está nas mãos das pessoas pobres. Se lhes dermos oportunidades, elas serão capazes de cuidar de si mesmas e tirar a si mesmas da pobreza. É uma questão de remoção de obstáculos, e não de mudar as pessoas. As pessoas pobres são plenamente equipadas para a ação. Pessoas pobres são tão capazes quanto qualquer outra pessoa. A diferença é que o sistema não trabalhou a seu favor. Precisamos fazer o sistema mudar.
Dinheiro - Mas o sr. acredita que o pobre é uma vítima?
Yunus - Sim, os pobres são vítimas, porque a pobreza é uma situação artificial, imposta pelo ser humano a seus iguais. Portanto, é uma imposição artificial, que vem de fora. Não é criada a partir das pessoas. Por isso, temos que protegê-las dessa imposição, e viabilizar um ambiente que permita tirá-las da pobreza.
Dinheiro - É possível eliminar a pobreza de uma vez por todas?
Yunus - Sim, acredito que sim. Porque se introduzirmos modificações no sistema poderá acontecer o que ocorreu depois de termos introduzido mudanças no sistema financeiro, criando condições dentro de um banco. Nós aprendemos que um banco pode apenas fomentar programas para a elite, mas nós dissemos: "Não, os bancos podem trabalhar com os pobres, e até mesmo com mendigos, emprestando dinheiro aos mais pobres, aos pedintes."Temos sete milhões e meio de tomadores de empréstimos, dos quais 97% são mulheres extremamente pobres, destituídas de meios. Elas tomam dinheiro emprestado e mudam suas vidas. Tudo o que fizemos foi criar uma modalidade, um canal direcionado aos mais pobres, e aquelas pessoas estão mudando suas vidas. Elas podem mudar sua vida em qualquer lugar do mundo, se tiverem essas mesmas condições, ou seja, a disponibilização do microcrédito. E esta é apenas uma intervenção. Há muitas, muitas outras intervenções, que podem ser acrescentadas a essa. Estou falando em mudança do conceito de negócio. Hoje em dia existe apenas um tipo de negócio. Há negócio para gerar dinheiro e maximizar os lucros. Entretanto, existe um outro tipo de negócio. O negócio para fazer o bem, ou seja, para criar uma empresa sem perdas e sem distribuição de dividendos. Criamos dois tipos de negócios e, nesse processo, estamos modificando a vida das pessoas para que saiam da pobreza.
Dinheiro - Qual sua opinião acerca do programa do governo brasileiro, o Bolsa Família?
Yunus - Trata-se de uma abordagem diferente da nossa. Não damos capital para consumo porque, se alguém toma financiamento para fazer compras, dificilmente devolve esse recurso de alguma forma. O que fazemos é fornecer empréstimos para geração de renda. Se alguém toma emprestado e emprega "nosso dinheiro" em uma atividade geradora de renda, essa pessoa retira o dinheiro para consumo do seu próprio dinheiro, advindo da atividade geradora de renda, em vez de utilizar o dinheiro do empréstimo. Se recebem dinheiro para adquirir produtos, as pessoas não vão mais se preocupar em "ganhar dinheiro".
Dinheiro - O sr. é contra a política de dar esmolas aos pobres?
Yunus - Os pobres precisam de doações, não de esmolas. Minha posição é que doações devem constituir um crédito temporário, e não serem feitas permanentemente, de modo que as pessoas se tornem acostumadas a elas e não façam nenhum trabalho. Deve haver um limite de tempo para que cada pessoa receba uma doação. Esta doação deve ir diminuindo com o passar do tempo, até que, ao final daquele tempo-limite, a pessoa seja capaz de cuidar de si mesma com os seus próprios esforços. Deveríamos, ao longo de um determinado período, criar um ambiente em que essas pessoas possam usar o seu próprio talento e a sua criatividade para que se tornem independentes da caridade.
Dinheiro - Os bancos no Brasil obtêm lucros, em parte, graças aos empréstimos a taxas de juros elevadas. São empréstimos para pagamento a longo prazo, com os quais as pessoas estão comprando tevês, carros, entre outros itens. Como o sr. vê isso?
Yunus - Não gosto disso. Sempre me opus a essa postura. Estes são empréstimos para consumo. Eles estão fazendo as pessoas consumirem mais, em vez de estimulá-las a ganhar mais, usando a sua própria capacidade. Os empréstimos convencionais visam ao lucro para as instituições que emprestam. As instituições não estão preocupadas com os pobres, por isso, as taxas são tão altas. A pessoa fica tão envolvida que não se importa de pagar seja o que for para conseguir o carro, a geladeira ou outro item qualquer. (Isto É Dinheiro)